quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Banco de horas negativo na MP 927/2020 e a possibilidade de desconto na rescisão contratual

A pandemia do coronavírus repercutiu na seara jurídica ocasionando situações sem precedentes. A falta de regulamentação momentânea diante do estado de calamidade pública no país refletiu um cenário de instabilidade e insegurança jurídicas.

No âmbito trabalhista, a imposição do isolamento social pressionou o Congresso a sancionar medidas provisórias que atendessem às circunstâncias desencadeadas pela pandemia.

Nesse contexto, foi editada a MP n. 927/2020 com a proposta de preservação do emprego e da renda, estabelecendo a preponderância da celebração de acordo individual escrito sobre os demais instrumentos normativos, legais ou negociais, desde que observados os limites constitucionais.

A MP n. 927/2020, dentre as suas previsões, dispôs, em seu artigo 14, sobre a possibilidade de interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, sendo que a compensação deve ocorrer dentro do prazo de 18 meses contados da data do término da calamidade pública.

Portanto, naqueles casos em que não houve a transferência das atividades presenciais para o teletrabalho, muitos empregados, atendendo as medidas de isolamento, ficaram em casa e continuaram sendo remunerados, contudo, perfazendo uma espécie de banco de horas negativo, ou seja, o empregado passou a dever horas para o empregador.

Nesse sentido, um dos temas que mais gera polêmica em torno da compensação diz respeito à possibilidade de descontos quando o término do contrato ocorre antes da compensação do banco de horas.

A situação mais preocupante é aquela em que o empregado é dispensado sem justa causa com banco de horas “negativo”. Neste caso, poderia o empregador efetuar descontos compensando o banco de horas?

Por ser uma questão extremamente recente, as decisões no âmbito da Justiça do Trabalho ainda não são suficientes para firmar um posicionamento preciso. Contudo, fato é que já existem julgados que nestas situações entendem serem indevidos descontos de qualquer natureza.

Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, ao analisar recurso da reclamada, por esta entender não ser devida a restituição do desconto realizado no termo de rescisão do contrato de trabalho, ponderou que não há previsão na MP 927/2020 sobre descontos na rescisão e menciona que “o empregado não tem culpa de vivermos uma crise sanitária”.

O Tribunal ainda sustentou que o empregador não pode transferir ao empregado os riscos da sua atividade econômica, sob pena de contrariar o princípio da alteridade insculpido no artigo 2º, caput, da CLT.

Os argumentos da reclamada, na defesa do desconto, suscitaram o equilíbrio contratual e o enriquecimento sem causa do empregado que, pelo fato de ter sido dispensado sem justa causa, poderia dispor de programa do seguro desemprego e, ainda, de benefícios do Governo Federal, enquanto que o Empregador não desfrutaria dos mesmos benefícios, permanecendo de portas fechadas e sem condições de dar continuidade às suas atividades.

Além do mais, complementando a fundamentação do julgado, o entendimento aqui proposto parte do pressuposto de que o empregador dispõe da opção de dispensa, portanto, o empregador que não exerceu o seu direito de cobrar o período em que o empregado ficou em casa fazendo-o cumprir as horas devidas, não deve transferir um ônus de sua própria escolha, sendo ele parte mais forte da relação contratual.

De outra ordem, mesmo no caso de demissão por justa causa ou pedido de dispensa por parte do empregado, pelo fato de o desconto também não encontrar respaldo legal, pelo contrário, o artigo 467 da CLT impede o empregador de efetuar descontos do empregado sem que haja negociação coletiva ou previsão legal.

Contudo, a possibilidade de acordar individualmente acerca do desconto em caso de rescisão contratual anterior a compensação do banco de horas negativo é uma desventura que pode vir a acontecer justamente em decorrência da lógica reformista em que há o enaltecimento do negociado individual em detrimento da negociação coletiva ou da previsão legal.

Apesar de encerrada a vigência da MP 927/2020, fato é que surgiram diversas questões as quais tangenciam a situação do saldo negativo no banco de horas do empregado, como é o caso da negociação individual e do esvaziamento dos sindicatos, da contabilização do termo inicial do prazo de 18 meses para a compensação, bem como da possibilidade de descontos quando da rescisão contratual, a qual foi aqui brevemente discutida. São questões que geram novas controvérsias que serão postas à apreciação do judiciário, inclusive, questionando a própria validade, à época, das disposições insculpidas na Medida Provisória.

Referências:

BRASIL. Medida provisória nº 927, de 2020. Medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus. Congresso Nacional, Poder Legislativo, Brasília, DF,2020. Disponível em: https:// https://ift.tt/3FOfeBb medidas-provisorias/-/mpv/141145. Acesso em: 30 ago. 2021.

BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 30 ago.2021.

TST-AIRR:5139320205070018, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: 21/06/2021.

VAZ, Audrey Choucair. Banco de horas: da instituição à Medida Provisória 927/2020-da exceção à generalização da compensação da jornada. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, v. 24, n. 1, p. 13-23, 2020.

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